20.12.11
Carta aberta ao Primeiro Ministro por Myriam Zaluar
Carta aberta ao Senhor Primeiro Ministro
por Myriam Zaluar, segunda, 19 de Dezembro de 2011 às 12:35
Exmo Senhor Primeiro Ministro
Começo por me apresentar, uma vez que estou certa que nunca ouviu falar
de mim. Chamo-me Myriam. Myriam Zaluar é o meu nome "de guerra".
Basilio é o apelido pelo qual me conhecem os meus amigos mais antigos e
também os que, não sendo amigos, se lembram de mim em anos mais
recuados.
Nasci em França, porque o meu pai teve de deixar o
seu país aos 20 e poucos anos. Fê-lo porque se recusou a combater numa
guerra contra a qual se erguia. Fê-lo porque se recusou a continuar num
país onde não havia liberdade de dizer, de fazer, de pensar, de crescer.
Estou feliz por o meu pai ter emigrado, porque se não o tivesse feito,
eu não estaria aqui. Nasci em França, porque a minha mãe teve de deixar o
seu país aos 19 anos. Fê-lo porque não tinha hipóteses de estudar e
desenvolver o seu potencial no país onde nasceu. Foi para França estudar
e trabalhar e estou feliz por tê-lo feito, pois se assim não fosse eu
não estaria aqui. Estou feliz por os meus pais terem emigrado, caso
contrário nunca se teriam conhecido e eu não estaria aqui. Não tenho
porém a ingenuidade de pensar que foi fácil para eles sair do país onde
nasceram. Durante anos o meu pai não pôde entrar no seu país, pois se o
fizesse seria preso. A minha mãe não pôde despedir-se de pessoas que
amava porque viveu sempre longe delas. Mais tarde, o 25 de Abril abriu
as portas ao regresso do meu pai e viemos todos para o país que era o
dele e que passou a ser o nosso. Viemos para viver, sonhar e crescer.
Cresci. Na escola, distingui-me dos demais. Fui rebelde e nem sempre
uma menina exemplar mas entrei na faculdade com 17 anos e com a melhor
média daquele ano: 17,6. Naquela altura, só havia três cursos em
Portugal onde era mais dificil entrar do que no meu. Não quero com isto
dizer que era uma super-estudante, longe disso. Baldei-me a algumas
aulas, deixei cadeiras para trás, saí, curti, namorei, vivi
intensamente, mas mesmo assim licenciei-me com 23 anos. Durante a
licenciatura dei explicações, fiz traduções, escrevi textos para rádio,
coleccionei estágios, desperdicei algumas oportunidades, aproveitei
outras, aprendi muito, esqueci-me de muito do que tinha aprendido.
Cresci. Conquistei o meu primeiro emprego sozinha. Trabalhei. Ganhei a
vida. Despedi-me. Conquistei outro emprego, mais uma vez sem ajudas.
Trabalhei mais. Saí de casa dos meus pais. Paguei o meu primeiro carro, a
minha primeira viagem, a minha primeira renda. Fiquei efectiva.
Tornei-me personna non grata no meu local de trabalho. "És provavelmente
aquela que melhor escreve e que mais produz aqui dentro." - disseram-me
- "Mas tenho de te mandar embora porque te ris demasiado alto na
redacção". Fiquei.
Aos 27 anos conheci a prateleira. Tive o meu
primeiro filho. Aos 28 anos conheci o desemprego. "Não há-de ser nada,
pensei. Sou jovem, tenho um bom curriculo, arranjarei trabalho num
instante". Não arranjei. Aos 29 anos conheci a precariedade. Desde então
nunca deixei de trabalhar mas nunca mais conheci outra coisa que não
fosse a precariedade. Aos 37 anos, idade com que o senhor se licenciou,
tinha eu dois filhos, 15 anos de licenciatura, 15 de carteira
profissional de jornalista e carreira 'congelada'. Tinha também 18 anos
de experiência profissional como jornalista, tradutora e professora,
vários cursos, um CAP caducado, domínio total de três línguas, duas das
quais como "nativa". Tinha como ordenado 'fixo' 485 euros x 7 meses por
ano. Tinha iniciado um mestrado que tive depois de suspender pois foi
preciso escolher entre trabalhar para pagar as contas ou para completar o
curso. O meu dia, senhor primeiro ministro, só tinha 24 horas...
Cresci mais. Aos 38 anos conheci o mobbying. Conheci as insónias noites
a fio. Conheci o medo do amanhã. Conheci, pela vigésima vez, a passagem
de bestial a besta. Conheci o desespero. Conheci - felizmente! - também
outras pessoas que partilhavam comigo a revolta. Percebi que não estava
só. Percebi que a culpa não era minha. Cresci. Conheci-me melhor.
Percebi que tinha valor.
Senhor primeiro-ministro, vou poupá-lo
a mais pormenores sobre a minha vida. Tenho a dizer-lhe o seguinte:
faço hoje 42 anos. Sou doutoranda e investigadora da Universidade do
Minho. Os meus pais, que deviam estar a reformar-se, depois de uma vida
dedicada à investigação, ao ensino, ao crescimento deste país e das suas
filhas e netos, os meus pais, que deviam estar a comprar uma casinha na
praia para conhecerem algum descanso e descontracção, continuam a
trabalhar e estão a assegurar aos meus filhos aquilo que eu não posso.
Material escolar. Roupa. Sapatos. Dinheiro de bolso. Lazeres.
Actividades extra-escolares. Quanto a mim, tenho actualmente como
ordenado fixo 405 euros X 7 meses por ano. Sim, leu bem, senhor
primeiro-ministro. A universidade na qual lecciono há 16 anos conseguiu
mais uma vez reduzir-me o ordenado. Todo o trabalho que arranjo é extra e
a recibos verdes. Não sou independente, senhor primeiro ministro.
Sempre que tenho extras tenho de contar com apoios familiares para que
os meus filhos não fiquem sozinhos em casa. Tenho uma dívida de mais de
cinco anos à Segurança Social que, por sua vez, deveria ter fornecido um
dossier ao Tribunal de Família e Menores há mais de três a fim que os
meus filhos possam receber a pensão de alimentos a que têm direito pois
sou mãe solteira. Até hoje, não o fez.
Tenho a dizer-lhe o
seguinte, senhor primeiro-ministro: nunca fui administradora de coisa
nenhuma e o salário mais elevado que auferi até hoje não chegava aos mil
euros. Isto foi ainda no tempo dos escudos, na altura em que eu enchia o
depósito do meu renault clio com cinco contos e ia jantar fora e
acampar todos os fins-de-semana. Talvez isso fosse viver acima das
minhas possibilidades. Talvez as duas viagens que fiz a Cabo-Verde e ao
Brasil e que paguei com o dinheiro que ganhei com o meu trabalho
tivessem sido luxos. Talvez o carro de 12 anos que conduzo e que me
custou 2 mil euros a pronto pagamento seja um excesso, mas sabe, senhor
primeiro-ministro, por mais que faça e refaça as contas, e por mais que a
gasolina teime em aumentar, continua a sair-me mais em conta andar
neste carro do que de transportes públicos. Talvez a casa que comprei e
que devo ao banco tenha sido uma inconsciência mas na altura saía mais
barato do que arrendar uma, sabe, senhor primeiro-ministro. Mesmo assim
nunca me passou pela cabeça emigrar...
Mas hoje, senhor
primeiro-ministro, hoje passa. Hoje faço 42 anos e tenho a dizer-lhe o
seguinte, senhor primeiro-ministro: Tenho mais habilitações literárias
que o senhor. Tenho mais experiência profissional que o senhor. Escrevo e
falo português melhor do que o senhor. Falo inglês melhor que o senhor.
Francês então nem se fale. Não falo alemão mas duvido que o senhor fale
e também não vejo, sinceramente, a utilidade de saber tal língua. Em
compensação falo castelhano melhor do que o senhor. Mas como o senhor é o
primeiro-ministro e dá tão bons conselhos aos seus governados, quero
pedir-lhe um conselho, apesar de não ter votado em si. Agora que penso
emigrar, que me aconselha a fazer em relação aos meus dois filhos, que
nasceram em Portugal e têm cá todas as suas referências? Devo
arrancá-los do seu país, separá-los da família, dos amigos, de tudo
aquilo que conhecem e amam? E, já agora, que lhes devo dizer? Que devo
responder ao meu filho de 14 anos quando me pergunta que caminho seguir
nos estudos? Que vale a pena seguir os seus interesses e aptidões, como
os meus pais me disseram a mim? Ou que mais vale enveredar já por outra
via (já agora diga-me qual, senhor primeiro-ministro) para que não se
torne também ele um excedentário no seu próprio país? Ou, ainda, que
venha comigo para Angola ou para o Brasil por que ali será com certeza
muito mais valorizado e feliz do que no seu país, um país que deveria
dar-lhe as melhores condições para crescer pois ele é um dos seus
melhores - e cada vez mais raros - valores: um ser humano em formação.
Bom, esta carta que, estou praticamente certa, o senhor não irá ler já
vai longa. Quero apenas dizer-lhe o seguinte, senhor primeiro-ministro:
aos 42 anos já dei muito mais a este país do que o senhor. Já trabalhei
mais, esforcei-me mais, lutei mais e não tenho qualquer dúvida de que
sofri muito mais. Ganhei, claro, infinitamente menos. Para ser mais
exacta o meu IRS do ano passado foi de 4 mil euros. Sim, leu bem, senhor
primeiro-ministro. No ano passado ganhei 4 mil euros. Deve ser das
minhas baixas qualificações. Da minha preguiça. Da minha incapacidade.
Do meu excedentarismo. Portanto, é o seguinte, senhor primeiro-ministro:
emigre você, senhor primeiro-ministro. E leve consigo os seus
ministros. O da mota. O da fala lenta. O que veio do estrangeiro. E o
resto da maralha. Leve-os, senhor primeiro-ministro, para longe. Olhe,
leve-os para o Deserto do Sahara. Pode ser que os outros dois aprendam
alguma coisa sobre acordos de pesca.
Com o mais elevado
desprezo e desconsideração, desejo-lhe, ainda assim, feliz natal OU
feliz ano novo à sua escolha, senhor primeiro-ministro
e como eu sou aqui sem dúvida o elo mais fraco, adeus
Myriam Zaluar, 19/12/2011
https://www.facebook.com/ notes/myriam-zaluar/ carta-aberta-ao-senhor-primeiro -ministro/10150442400907144
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- fazer garatujas;
- rabiscar.
- Gerúndio - garatujando
"Foi o tempo que dedicaste à tua rosa que fez tua rosa tão importante." -- Antoine de St. Exupery (in "O princepezinho")
para pensar...
"...sob certas condições, os capitalistas privados inevitavelmente controlam, directa ou indirectamente, as principais fontes de informação (imprensa, rádio, educação). É então extremamente difícil, e na maior parte dos casos na verdade quase impossível, para o cidadão individual chegar a conclusões objectivas".
Albert Einstein, 1949
________________________________
Albert Einstein, 1949
________________________________
«Uma revolução pode mudar as instituições, mas em nada alterou o carácter dos homens. Eles continuarão a ser o que eram: perversos e imbecis.»
Carlos da Maia, um dos oficiais da Armada no 5 de Outubro, em carta ao político republicano João Chagas, Junho de 1911
Carlos da Maia, um dos oficiais da Armada no 5 de Outubro, em carta ao político republicano João Chagas, Junho de 1911
" Estamos perdidos há muito tempo... O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada. Os caracteres corrompidos (...) Ninguém crê na honestidade dos homens políticos."
EÇA DE QUEIROZ
Não quero garatujar mais a cidade. A cidade já é diferente com tanto verde-azeitona e tanta varanda caída. Tantas vedações e instruções, tantas palavras de ordem que os cartazes políticos nos recomendam. Nada disso. Nem mais uma ordem, nem mais um só homem a mandar na minha vida.
Todos se van (Diários de Havana), Wendy Guerra 2006Amorim acusado de evasão fiscal
O Plano Nacional de Barragens
Isaltino pode não cumprir pena
BBC esplica a crise na Europa
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