Garatujar

Esmeralda

Toda a gente tem seguído com atenção este caso mediático da Esmeralda, uma menina de perto de 6 anos, entregue quando tinha 3 meses pela mãe biológica a Luís Gomes e Adelina Lagarto.

O pai biológico, Baltazar Nunes, decidiu perfilhar a criança quando tinha 1 ano de idade.

http://www.tvnet.pt/noticias/detalhes.php?id=12011

Ate aqui tudo certo, ou tudo errado…

Por lei as famílias de acolhimento podem estar com a criança até aos 18 meses, a partir dai tem que se tomar uma medida legal. Claro, que essa medida não foi tomada.

A Esmeralda está a beira dos 6 anos, quer dizer, vive com o casal de acolhimento à 5 anos, deve haver por ai dezenas ou centenas de Esmeraldas.

Infelizmente já assistimos a casos lamentáveis de irresponsabilidade social perante crianças, que depois deram em casos trágicos, incluindo a morte.

Adivinha-se aqui um braço de ferro entre o MP e os técnicos especialistas na área e a decisão judicial que sentenciou a favor do poder paternal do pai biológico.

E cito;

“Entrega não dependente de avaliação técnica”

Os juízes não acolheram a pretensão do casal (Luís Gomes e Adelina Lagarto) ao reclamar a "alteração oficiosa da regulação do poder paternal", por isso ter de ser feito na primeira instância. Também recusaram que a entrega da menor ficasse dependente das "informações a prestar pelos técnicos especialistas", como sugeria o MP, sob pena dos tribunais "ficarem subordinados, na sua execução, à avaliação que os técnicos fizessem, do caso concreto, em cada momento".

http://jn.sapo.pt/2007/12/20/policia_e_tribunais/prazo_para_entrega_esmeraldafoi_alar.html

Quer dizer o juízo de um magistrado não pode ficar “refém” de uma qualquer opinião abalizada, competente, idónea de um técnico de saúde ou social, porque isso iria com certeza abrir um precedente nas futuras decisões judicias.

Lindo argumento, completamente ardiloso …

Ainda à dias tivemos o nosso ministro Correia de Campos, a propósito de uma jantarada preparada por seropositivos e doentes com VIH, e que não perdeu a oportunidade de falar no estigma ainda bem patente na sociedade em relação e esta doença, declarando que existe por ai muita ignorância, numa clara alusão à recente sentença de despedimento de um cozinheiro de Hotel.

Esta sentença abre um grave procedente, e deve ser a coisa mais vergonhosa, retrógrada e irresponsável dos últimos tempos, correndo um sério risco de abrir uma ferida na sociedade, incentivando ao estigma, e indo ao arrepio do trabalho que os técnicos na área da saúde publica vão fazendo à muitos anos.

Mas não é de VIH que queria falar agora, mas no facto de nenhum ser humano ser infalível ou enciclopédico. Nem mesmo os juízes são infalíveis ou enciclopédicos.

Os magistrados cumprem as leis, independentemente de estarem mal ou bem feitas, umas vezes (a maior parte das vezes) cumprem bem outras nem por isso.

O que eu questiono e interrogo é se uma mesma lei serve de base para uma sentença de uma criança de 2 anos e de 10 anos, ou se a mesmíssima lei sentencia o mesmo para uma criança de 1 ano ou para uma criança de 6 anos?

Os factores sociais, familiares, e psicológicos da criança não entram em jogo?

Não é o seu superior interesse que está em causa?

Os superiores interesses da criança estão, ou foram defendidos num assunto que se arrasta à mais de 4 anos em tribunal?

Estará um magistrado habilitado a decidir, sentenciando (sentenciando o futuro a uma pessoa) numa matéria destas, sem a opinião distinta dos técnicos de saúde e sociais na sua respectiva área?

Sendo a própria criança parte interessada no assunto, não seria a sua própria opinião importante?

Depois de admitir que os tribunais não podem ficar " subordinados, na sua execução, à avaliação que os técnicos fizessem,”, (curioso observar que o juiz desembargador utiliza o plural) que nos diz o auto seguidamente?

Reza assim:

“Perante este antagonismo, concluem os desembargadores, "o superior interesse da menor obriga-nos a acolher, ao menos em parte, o relatório médico, não porque tenhamos a mais leve dúvida quanto ao que foi observado" pela técnica de reinserção social, mas por entenderem que a saúde psíquica da criança "se superioriza a qualquer argumento que pudéssemos avançar como justificativo da entrega da menor no fim do prazo de 90 dias".

Afinal a avaliação dos técnicos serviu para qualquer coisa. Inacreditável.

Afinal a Esmeralda não vai ser entregue no dia 26 de Dezembro. Afinal a opinião, o parecer técnico/cientifico dos médicos foi levado em conta.

Uma contradição pegada. Se acreditasse em Deus era a altura certa para dizer “valha-lhes Deus”.